quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Passeio

Ana caminha pela rua, respirado fundo. "Não deixe que esses pensamentos invadam sua mente..."
O dia está ensolarado, os pássaros cantam e tudo está bem. Por que essa necessidade de que tudo não esteja bem? Por que você não quer ser feliz?
Ana se pergunta.

"Mas eu quero ser feliz!", responde então a própria pergunta.

Não se engane, Ana... Eu conheço você... Eu sou você. Você precisa dessa pequena dosagem de angústia.
A melancolia é sua droga favorita. Você não suporta a tranqüilidade por muito tempo.

"Suporto sim! É tudo o que quero! Quero ter paz!"

Não quer não, Ana... Você está apaixonada por sua própria insatisfação pessoal. Precisa dela pra se sentir especial, diferente dos outros.

"Mas eu sou diferente! Quantas pessoas que você conhece caminham pela rua conversando com elas mesmas sobre esse tipo de coisa?"

Isso não quer dizer nada. Todos pensam na vida de vez em quando. Essa é uma das características mais banais do ser humano.

"Por que me faz pensar nisso? Por que não me deixa em paz?"

Porque você não quer que eu te deixe em paz. E eu nem poderia, mesmo que quisesse. Sou parte de você.

"Você me pergunta por que eu não quero ser feliz.... É você que não me deixa ser feliz!"

E isso é o que você mais gosta em mim, não é?

Ana suspira. Mais uma vez, perdendo a discussão pra si mesma.

"Nunca vou ser como eles, não é? Não importa o que eu faça. Nunca serei feliz como eles..."

Não me faça rir. E não se vanglorie tanto, Ana.
Ninguém é feliz.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Memórias de um tempo

Então a gente resolveu que ia ao cinema naquela quinta à tarde. Eu nunca tinha entrado numa sala de cinema e imaginava algo parecido com uma sala de teatro. Eu não gostava nem um pouco do teatro porque a gente tinha que ficar quieto por muito tempo e eu queria conversar sempre, falar que eu não tava entendendo nada, ou perguntar se faltava muito pra acabar. Minha mãe ficava uma fera e dizia que nunca mais ia me trazer pra ver uma peça.
E eu pensava "Tomara mesmo!", mas não falava nada porque sabia que o ingresso tinha sido caro.

Mas isso não importava porque o cinema ia ser diferente. Meu primo Rodolfo tinha me dito que iam apagar todas as luzes e que se eu começasse a chorar, ia levar um tapa na cabeça. Eu respondi que não era criança e não tinha medo de escuro, não! Ele deu risada e falou que queria só ver. Então a gente foi.
Aí assim que a gente entrou, eu vi que o lugar era mesmo grande e parecia um teatro. Dei uma desanimada, porque eu achava que ia ser mais bonito, só que não era. A diferença era que tinha muita gente comendo e fazendo barulho com aqueles sacos de papel cheio de pipoca. Minha tia tinha dito que se a gente gastasse dinheiro desnecessário com aquelas porcarias, ela ia contar pro meu tio e aí sim a gente ia ver o que era bom pra tosse.
Então a gente entrou de mãos vazias mesmo e logo que a gente sentou na fileira do meio, comecei a escutar uma mulecada que mascava chiclete alto, com a boca aberta. Isso eu sempre achei uma grande falta de educação, mas como era minha primeira vez no cinema, pensei que talvez fosse normal fazer aquilo ali.
Então uns minutos depois, a luz se apagou. Eu fechei os olhos e prendi a respiração. Era agora que a mágica ia começar. Meu primo Rodolfo me cutucou, falando que se eu ficasse de olho fechado não ia ver merda nenhuma.  Então eu abri os olhos com algum receio. Uma tela grande se acendeu na nossa frente e eu achei que era uma das coisas mais legais que eu já tinha visto. Então fui olhando à minha volta, procurando pela reação das outras pessoas diante daquela coisa fabulosa. Umas crianças sentadas logo a frente, gritavam e jogavam pipoca uma nas outras. E eu achei aquilo um desperdício de comida. Alguém mais a frente soltou um "shiuuu!" irritado, mas isso só fez aumentar a algazarra, e logo se seguiu uma repetição de "shiuuuus" zombadores, o que fez com que o dono do "shiuuu!" original ficasse quieto.
 Um casal de namorados, uma moça loira de cabelo liso e um cara de cabelo cacheado e óculos, davam risadinhas e  faziam cochichos na frente da poltrona do meu primo Rodolfo, e eu ri alto quando ele chutou com tudo a parte de trás da poltrona da loira, perguntando se eles não preferiam ir pra um motel. Eu nem sabia exatamente o que é que as pessoas faziam no motel, mas sempre que alguém usava essa palavra, eu achava engraçado pacas.
Uns vinte minutos depois aparecia uma família inteira, pai, mãe, filhos e sobrinhos carregando sacos de pipoca enormes e copos de refrigerante, pedindo licença e passando na nossa frente, pra ver se encontravam um lugar no escuro. "Ana, Aaana! Ali acho que tem lugar, olha! Não, ali!" e o cinema todo pareceu se irritar com aquele grupo de atrasados. Todos se moviam em suas poltronas, se sentindo desconfortáveis com a interrupção. Alguns até xingaram e eu ouvi dois palavrões que nunca tinha ouvido antes. Um começava com "c" e o outro com "p". E não, esse segundo não era "puta" não, porque isso eu sempre ouvia em casa quando tinha jogo do Palmeiras. Tratei de guardar aquelas palavras novas no fundo do cérebro, mas só cheguei a usar elas uns quatro anos depois.
Foi quando vi uma bolinha de papel voando em direção à minha cabeça. Acertou meu olho e eu dei um berro, mais de susto que de dor. O Rodolfo perguntou porque eu tava fazendo aquele escândalo e eu disse que tinham jogado a bolinha em mim. Então ele disse pra eu jogar de volta na cabeça do desgraçado, mas eu não sabia de onde ela tinha vindo. Me ajoelhei na poltrona e mandei a bolinha de papel longe, e vi que tinha acertado alguém lá na frente. Ouvi umas risadas, e uns minutos depois, era chuva de bolinha de papel vinda de todas as direções. Logo vinha o lanterninha perguntando quem é que tinha começado aquela balbúrdia, balançando a luz do farolete na cara de todo mundo, e o cinema todo se aquietou em cumplicidade. E foi só então que eu me dei conta de como o cinema e o teatro eram diferentes.
Nunca me diverti tanto como naquela primeira vez.
Não lembro o nome do filme.